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Reflexões Sobre a Candidatura de Marina Silva


O Que Está Por Traz Do Verde:
Reflexões Sobre a Candidatura de Marina Silva

       No segundo semestre do ano passado a senadora Marina Silva (PT-AC) desfiliou-se do PT, ao qual esteve vinculada por 30 anos, e se ligou ao Partido Verde(PV), com a clara intensão de disputar a presidência pela sigla. A movimentação teve impacto num amplo espectro político, que ia do PSDB ao PSOL, atraindo nomes importantes para a idéia de uma candidatura alternativa à polarização entre petistas e tucanos que desde 1994 marca a política brasileira.
      Passado um ano, em plena reta final para o 1º. Turno  das eleições presidenciais, a candidata oscila entre 10 e 14% nas sondagens e, segundo alguns, ameaça levar a disputa para um segundo turno, o que leva seus simpatizantes a falarem, um pouco apressadamente, em uma “onda verde”. Sua candidatura, segundo as pesquisas, extrai seu apoio dos setores localizados nos grandes centros urbanos, de rendas mais altas, maior escolaridade e mais jovens. É justamente essa fração da sociedade brasileira que parece ver em Marina uma “alternativa” ou “terceira via” à “desgastada” disputa PT/PSDB. Contudo, não é muito claro no que consiste tal alternativa.
     Parece-nos interessante começar examinando o que a própria candidata diz. Com freqüência, Marina afirma buscar a síntese “das conquistas dos últimos 16 anos”. De um lado, o governo FHC teria trazido a estabilidade econômica, de outro, o governo Lula, a inclusão social. Seria, pois, o caso de unir ambas e acrescentar o tema da sustentabilidade ambiental.
      Como é óbvio, o meio ambiente é o carro-chefe da campanha verde. Segundo  a candidata ambos os principais contendores representam um modelo de desenvolvimento do século XX falido, por ser predatório. Ela, em contrapartida, representaria o desenvolvimento “do século XXI”, calcado na tecnologia limpa e no uso de recursos renováveis.
        Tem-se aí a chave do programa de Marina Silva: conciliação do PT, do PSDB e da sustentabilidade. Quanto ao primeiro ponto, caberia perguntar se a conciliação proposta é possível. Embora seja inegável que petistas e tucanos têm importantes convergências – na política monetária e cambial, por exemplo -, é igualmente inegável que as divergências são grandes. 
        Enquanto o PT tem levado à diante um modelo de desenvolvimento capitalista calcado na expansão do papel interventor e planificador do Estado, no alargamento do mercado interno e numa política externa independente e ativa, os tucanos defendem um modelo liberal, com a diminuição da ação do Estado, centrado no consumo das camadas médias e alinhado com a política exterior dos EUA. As diferenças ficam claras quando olhamos por exemplo a política do governo de estímulo a educação pública , o governo do PT investiu nas universidades federais abrindo vagas para contratação de professores (coisa que não foi feita nos 8 anos do governo FHC) e criou de um piso mínimo para professores da rede básica - piso este que a aliança de governadores do PSDB Ieda, Aécio e Serra entrou com recurso contra no STF, alegando não ter verbas para pagar. O governo articulou uma lei por exemplo obrigando 1/3 das merendas escolares serem provenientes de agricultura familiar. No ambito da cultura implantou a política dos pontos de cultura que busca direcionar verbas para as coletividades locais estimulando-as a criar redes horizontais de troca em todo o país.A estrutura social brasileira experimentou uma fase de melhoria entre os anos de 2004 e 2008. Nesse perío do, um número significativo de pessoas trocou a condição de miséria pela de pobreza ou deixou a situação de pobreza para se inserir na baixa classe média.Por isso vemos um governo que encerra seus dois anos de mandato com 80% de aprovação, coisa nunca vista no cenário político nacional. O recurso que Serra promoveu no STF para não pagar o piso mínimo federal para professores da rede básica de ensino não deixa de funcionar como uma boa anedota que delimita as diferenças básicas do PT e do PSDB. 
        A pergunta que fica é quais as condições políticas para que Marina e o PV operem essa síntese? Não parecem muito promissoras, não apenas pelo clima de enfrentamento entre as duas siglas, mas também pela dubiedade do programa da acriana. É difícil saber qual a posição de Marina sobre temas cruciais como o modelo de concessão de petróleo, a política externa, ao papel do BNDES, BB, outras agências estatais etc.. Mesmo na área da educação, a qual a candidata diz ser a única a priorizar, ela não assume posição alguma entre um PSDB que sufocou as universidades federais quase até a morte, e o PT que as revitalizou e expandiu. Fica, desse modo, muito difícil saber em qual sentido caminha a síntese proposta.
        Volte-se, agora, para o outro pilar da candidatura: o ambientalismo. Aqui, dirão todos, ela é imbatível! Vejamos. É certo que o meio ambiente é um tema crucial em todo o mundo e que é relativamente desprezado tanto por Serra, quanto por Dilma. Além disso, é certo que a questão ambiental toca em um problema muito mais profundo: a crise da civilização capitalista moderna, calcada numa exploração predatória e contínua do homem e da natureza.
        Se dilemas civilizatórios não ocupam lugar relevante em campanhas eleitorais em lugar algum do mundo de hoje, dever-se-ia, ao menos, esperar uma palavra de Marina sobre o assunto. O que se encontra não vai, todavia, além da retórica oca. No que tange ao agronegócio – nome-fantasia do  latifúndio agro-exportador – a candidata sai pela tangente. Segundo ela, desde que tenha um selo de responsabilidade ambiental, há lugar para todos nesse Brasil: da agricultura familiar ao agronegócio. A verdade, entretanto, não parece ser essa. Prova disso, é o ativo papel do lobby ruralista na aprovação do novo código florestal que a mesma candidata se empenha, com razão, em denunciar.
        Em suma, examinando o discurso da ex-senadora, ela não parece apresentar nenhuma alternativa ideológica concreta, nem às propostas de Dilma e de Serra, nem no delicado tema da relação meio-ambiente e modelos de desenvolvimento.
        Uma análise política, porém, não deve se restringir aos programas, detendo-se, sobretudo, nas alianças e no xadrez político. Começarei pelos aliados mais próximos de Marina: Fernando Gabeira, candidato do PV ao governo do Rio de Janeiro, Alfredo Sirkis, presidente do partido e Fábio Feldman, candidato ao governo paulista.    
        Ex-guerrilheiros, Gabeira e Sirkis fizeram, uma clara opção pela aliança com o bloco PSDB/DEM/PPS contra Lula e o PT. As três siglas, aliás, estão apoiando a, aparentemente malograda, candidatura de Gabeira ao Palácio das Laranjeiras. Quanto à Feldman, este assumiu “com orgulho”(sic), no debate da Rede Globo  (28/09), que foi, até dois anos atrás, filiado  ao PSDB e secretário de meio-ambiente de Geraldo Alckmim.
        Alguém poderá  retrucar que a própria candidata é egressa do PT, bem como o respeitável sociólogo Luiz Eduardo Soares, um dos formuladores de seu programa. Bom, Soares, em que pesem seus méritos intelectuais, não parece ter peso real algum na política da candidatura. Mais importante é o acesso econômico da candidata, o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, homem de formação ortodoxa (“neo-liberal”) com algumas pretensões filosóficas. No que tange à candidata, suas credenciais de esquerda são inegáveis. Porém, uma candidatura não é um atributo pessoal, mas uma construção coletiva. Do que vale a trajetória anterior de Marina se a maior parte de seu staff fez uma opção à direita?
        Opção essa que se reflete, diga-se de passagem, na posição dos grandes meios de comunicação frente à candidata. A mesma mídia que se empenha com todas as forças em destruir Dilma Rousseff, diante da fraqueza de Serra, tem optado por inflar Marina. Isso fica claro em um artigo, de cerca de duas semanas atrás, de Merval Pereira, conhecido
porta-voz dos neocons midiáticos, que defendia abertamente o voto em Marina como estratégia para levar o pleito ao 2º turno. Levar Serra ao 2º. turno, bem entendido, pois Pereira e seus amigos sabem que a ex-senadora, por melhor que se saia, não tem fôlego para passar o tucano.
        A tática vem sendo posta em ação: basta atentar para as prestidigitações estatísticas do Datafolha e toda a conversa sobre a suposta “onda verde”. No já referido debate de ontem, o ex-tucano Feldman declarou:  “minha candidata está levando essa eleição para o 2º. Turno”. Ninguém precisa ser muito matreiro para ver aí uma ação concertada.
        Assim, votar em Marina é, objetivamente, ajudar a combalida candidatura de José Serra. Mas, táticas eleitorais e ex-tucanos à parte, há algo mais que aproxima as duas candidaturas: sua base social.
        No início dessa reflexão mencionamos o perfil do eleitorado da candidatura verde. É público e notório que este é o mesmo perfil dos eleitores de Serra. Trata-se de uma fração da chamada “classe média” que anda cansada dos tucanos e dos petistas, mas não mudou, por isso, sua visão de mundo. Essas pessoas possuem opiniões liberais e elitistas, por parte dos ex-PSDB, e progressistas e humanistas por parte dos ex-PT. Ambos os grupos de descontentes partilham preocupações superficialmente ambientalistas (se trata mais de um tópico de retórica do que de militância efetiva para a grande maioria dos eleitorado de Marina) e apego à bandeira da ética na política. Eis o heterogêneo e confuso caldo de cultura política(?) do qual se nutrem Marina, Feldman, Gabeira e Sirkis. O mesmo, aliás, que sustenta Soninha Francine, candidata do PPS à prefeitura de São Paulo em 2008, sub-prefeita de Kassab e atual coordenadora da campanha eletrônica de Serra.
        Enfim, fica claro o que está por trás do verde. Seja no programa, nas alianças, na tática ou na composição social e ideológica de seu eleitorado, a candidatura da ex-petista Marina Silva não é, sob nenhum aspecto, uma candidatura “de esquerda” ou “alternativa. O que ela poderia ter nesse sentido é nebuloso e o que ela tem de conservador é bem concreto. Só nos resta lamentar que alguém com a trajetória política de Marina se preste à tingir de verde o neo-udenismo da classe média brasileira.

                                       Camila Rocha, André Kaysel e Beatriz Kaysel

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