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O MinC Subtraído


Jair Alves | segunda-feira, 14 março 2011

Em tempos de mudança é imperioso ser direto e sem meias palavras.
Interesses alheios às Artes e a Cultura estão subtraindo do patrimônio Nacional, ao menos sessenta anos (60) de história brasileira. Corporações difusas vindas até nós por meio de nomes estranhos como, Creative CommonsCampus Party BrA2KOpen Business; ou CTS Game Studies; tratam de engessar os nossos já parcos instrumentos de Produção Artística e Cultural, roubando-nos o espaço Institucional como se fossem essas Corporações as Mensageiras da “Boa Nova”. São os evangelistas dos últimos dias? Não, não o são; e provaremos o por quê.
Os indícios

O momento em que vivemos, nas Artes e na Cultura, é tão grave como àquele amargamente experimentado nos primeiros anos pós Constituição de 1988. Corremos o perigo de perder a nossa (dos artistas e produtores culturais) legitimidade, Institucional, construída duramente e festivamente durante seis (6) longas décadas. Os artistas, escritores, artesãos, criadores de expressões artísticas, não podem perder espaço para abnegados da emergente Indústria do software, na cobertura que o Estado dá às atividades profissionais e econômicas no Ministério da Cultura. Esta infiltração vem ocorrendo, subliminarmente, e já há algum tempo. Agora, com a posse da atual Ministra(artista e administradora cultural), Ana de Hollanda, resolveram colocar todo o seu Exército de voluntários que não titubeiam em caluniar, mentir, distorcer e promover falsas questões para defender o território, inconstitucionalmente, ocupado.
As provas
Milhões de reais foram gastos, nos últimos anos, recursos esses que foram subtraídos do pequeno orçamento do Ministério da Cultura (MINC) para financiar viagens, congressos, e a auto-organização desses “Movimentos”. Este pode ser o maior crime já cometido contra as Artes e os produtores Culturais, desde a abolição da Censura na Constituinte de 1988. Vide a pequena, porém vibrante história do MINC.
O Brasil foi reinventado após o término da segunda Grande Guerra, a começar pela sua Constituição que reconheceu um importante componente da vida Nacional – a Cultura. Em seu artigo 180 dizia, com clareza, “E dever do Estado proteger as Artes e a Cultura”. Embora com grande inspiração conservadora, a Constituição de 1945 não pôde esconder o papel que os Artistas, Escritores e Músicos, em especial, tinham na formação da identidade Nacional. Os horrores da Guerra (como se outros piores não viessem depois) impulsionavam para a formulação de grandes sonhos, cravados na frase “Brasil, o País do Futuro”. O suicídio do escritor, Stefan Zweig, em 1942 (Petrópolis-Rio de Janeiro),hipotético autor da frase, foi o prenúncio de que o caminho até os dias de hoje seria tumultuado e cheio de grandes embates. A submissão Institucional da cultura à educação, até meados dos anos 80 (MEC – Ministério da Educação e Cultura) foi quebrada somente com o esforço e a determinação de um grupo de artistas e intelectuais, em torno de Celso Furtado, que assumiu a titularidade do MINC meio a outros tempos de igual agitação política e social, tal como nos dias de hoje. Essa submissão da Cultura durante quarenta anos (45-85), em que teve como Ministros generais da reserva (três, ao menos) não impediu que artistas (músicos como, Tom Jobim, João Gilberto, Caetano Veloso, Chico Buarque;os sambistas, Cartola, João do Vale e Zé Ketti; escritores como, Rubem Fonseca, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Carlos Drumonnd de Andrade, Manoel Bandeira; dramaturgos como, Guarnieri, Vianinha, Nelson Rodrigues; artistas plásticos como Portinari, Tarcila, Volpi,  Di Cavalcanti, Ligia Clark, Hélio Oiticica e Antonio Henrique Amaral) contribuíssem decisivamente para formação do Brasil contemporâneo, sem contar é claro com o esplêndido trabalho realizado pelos críticos de Arte e Literatura como, Mario Pedrosa (citando apenas um, em nome de todos).(*)
Na Constituinte de 1988 e posterior texto constitucional ninguém duvidou que as Artes e a Cultura funcionassem como um território de paz, uma zona de negociação entre as diferentes forças políticas e sociais de nosso tempo, tanto que elegeu como ponto de honra a abolição da Censura, instrumento do cerceamento da liberdade como, também, a proclamação da Liberdade de Expressão como capitulo inalienável. A Constituição (Cidadã), em si, não foi o suficiente para garantir o pleno desenvolvimento das potencialidades Nacionais, porém, como Estatuto maior tem sido o ponto de referência para a construção de uma Sociedade mais justa. A ameaça de retrocesso foi sempre constante, a exemplo da Industrialização, na década de 50, que tiraria o Brasil do subdesenvolvimento e da pobreza, mas que gerou novos e grandes desafios sociais e também, durante a década de noventa, o conceito de Modernidade que ensejou o aparecimento de oportunistas, como o primeiro Presidente eleito pelo voto direto, após o Regime Militar.
Tal como Fernando Collor de Mello que, escudado num hoje inexistente “Partido Jovem”, no segundo semestre de 1988, antes mesmo de se conhecer as regras claras do jogo, se lançava candidato à Presidência do Brasil, nos dias de hoje os defensores da “Cultura Livre”, do “Software Livre”, querem a todo custo colar o seu decalque na parte exterior e interior da cabeça do cidadão, desavisado, de que eles fazem parte da cadeia produtiva das Artes e da Cultura. Não o fazem! O Movimento do Software Livre não é Cultura, “is businness”. É negócio! Alguém duvida que o encontro anual, em São Paulo, denominado Campus Party Br é a mais perfeita expressão do Capitalismo Internacional? Excetuando-se os políticos que vão a qualquer grande aglomeração de pessoas (estão no papel deles), vê-se ou viu-se algum dia ali qualquer estrela do Rock, da Música Popular Brasileira, ou Internacional, dando o seu “pitaco”, o seu recado de Paz, Reforma Agrária ou de Política e Social???

(*) A lista não para de crescer alimentada pelas poucas horas de leitura da postagem inicial, a saber: Artistas Plásticos: Antonio Peticov, Aguilar, Tozzi, Senise, Iberê Camargo, Siron Franco, Amelia Toledo, Carmela Gross, Roberto Magalhães, Antonio Dias…
Jair Alves
Ator, Diretor, Dramaturgo e Músico. Para mais artigos deste autor clique aqui

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